As moedas digitais de bancos centrais, ou CBDCs, têm ganhado cada vez mais espaço e importância na pauta de digitalização da economia em diversos países. O Brasil não é diferente, com um projeto em estágio avançado para criação do Real Digital. Entretanto, essas novas versões das moedas fiduciárias de cada país não devem substituir todas as outras formas de representação e uso do dinheiro atuais.
É o que avalia James Wallis, vice-presidente da Ripple para a área de CBDCs, em entrevista exclusiva. Ele destaca que "historicamente, não dá para restringir o dinheiro privado". Ou seja, é improvável que o Real Digital e seus semelhantes acabem eliminando alternativas como outras criptomoedas, stablecoins ou até métodos mais tradicionais de pagamento.
"É importante ter [uma CBDC], mas não acho que as CBDCs vão substituir todas as formas de dinheiro. O papel do Banco Central é dar estabilidade financeira para o país, não eliminar o dinheiro privado, e acho que esse papel vai continuar", comentou o executivo da Ripple, atualmente uma das principais provedoras de tecnologia para o desenvolvimento de CBDCs.
O que é uma CBDC?
Wallis explica que, de forma simples, uma CBDC é um tipo de criptomoeda que é emitida diretamente pelo banco central de um país, estando vinculada às reservas de dinheiro do Estado e integrada a uma rede blockchain. A ligação com o Estado é o que a diferencia das stablecoins, por exemplo, que também podem estar pareadas a reservas de um ativo, como o dólar, mas são emitidas por empresas e bancos.
Há, ainda, as cripto nativas, como o executivo se refere a ativos como o bitcoin e o ether. Na visão de Wallis, esses três tipos de criptomoedas "vão fazer parte do futuro do dinheiro e coexistir, com papéis diferentes". Atualmente, a Ripple trabalha em projetos envolvendo esses três tipos, mas apresentou novidades recentes voltadas para a criação de CBDCs.
A principal foi o lançamento de uma plataforma que pode ser usada principalmente por bancos centrais, mas também por entidades privadas, para o desenvolvimento, lançamento e gerenciamento de moedas digitais. A ideia é que, pela ferramenta, seja possível controlar "todo o ciclo de vida da CBDC, da criação à distribuição. Ela pode ser usada em pagamentos, transações ou conversões para outros ativos. É possível controlar a circulação e o número de moedas".
Apesar do foco ser nas CBDCs e bancos centrais, Wallis ressalta que qualquer empresa pode usar a plataforma, o que é importante considerando tanto a "importância" futura dos bancos privados para o "uso e distribuição" das CBDCs quanto o interesse das instituições financeiras em stablecoins. No Brasil, o BTG Pactual liderou esse movimento ao lançar a primeira stablecoin de um banco pareada ao dólar, o BTG Dol.
A plataforma também pode ser implementada em redes blockchains privadas ou públicas, e ajuda na criação e distribuição de carteiras digitais, um elemento que será importante para o uso de moedas digitais no varejo, em pagamentos do dia a dia, e também para permitir esse uso mesmo quando a pessoa está offline.
A ideia, ressalta o executivo da Ripple, é "tirar a preocupação em desenvolver a tecnologia, a infraestrutura, e a gente ser o provedor de tecnologia. Nós recebemos muito feedback sobre essa necessidade". Atualmente, a plataforma já é usada por alguns países em seus projetos de moeda digital, incluindo Palau, Butão, Montenegro e Hong Kong, onde a Ripple vai participar de testes pilotos de uma CBDC envolvendo tokenização de ativos imobiliários.
No caso do Brasil, Wallis observa que a Ripple e o Banco Central já possuem um diálogo desde 2022 em áreas como pagamentos transfronteiriços, e que as partes têm "evoluído" nas discussões envolvendo o Real Digital. "Mas meu entendimento é que ainda falta um progresso no desenvolvimento do Real Digital até um decisão final sobre esse assunto [uma possível parceria com a Ripple]", afirma o executivo.
"Nós recebemos bem essa oportunidade de conversar mais com o Banco Central sobre o Real Digital. O Brasil é um mercado muito grande, importante, e que teve projetos importantes antes do Real Digital, como o Pix", diz Wallis. Em relação ao Pix, o executivo destaca que o sistema já atende à necessidade de pagamentos instantâneos, o que abre margem para a CBDC brasileira atender outros casos de uso.
"Existem muitos casos de uso diferentes. Se olha ao redor do mundo, você vê pagamentos instantâneos, tokenização, é uma lista longa. Eu vejo que, no Brasil, é um exemplo do que se pode atingir na digitalização, o resto do mundo reconhece isso. O foco na área de atacado é de interesse, e tem a programabilidade. O Pix já resolveu pagamentos em varejo, então não deve ser o foco. Minha opinião é que o setor privado deveria liderar o desenvolvimento de novos casos de uso, com o BC criando um ambiente de experimentação para isso", avalia o vice-presidente da Ripple.
Atualmente, a previsão do Banco Central é que o Real Digital seja liberado para a população até o fim de 2024. Se o cronograma for cumprido, o Brasil pode sair na frente em relação a diversos países. Wallis projeta que a maioria das nações ainda demorarão entre dois a cinco anos até lançarem suas CBDCs, mas isso ainda é "muito encorajador", mostrando como os países têm focado mais e mais nessa área. Em alguns lugares, ele projeta mais dificuldade nessa implementação, como na Zona do Euro e nos Estados Unidos, que possuem "sistemas mais complexos".
Regulação de criptomoedas
Além de ser uma empresa importante no mercado de criptomoedas, a Ripple também tem chamado atenção no setor pelo seu embate jurídico com a Comissão de Valores Mobiliários dos Estados Unidos, a SEC. O órgão acusa a empresa de ter emitido ilegalmente um valor mobiliário, a criptomoeda XRP. Já a Ripple nega que o XRP seria um valor mobiliário.
O processo é importante para o mercado porque a decisão representaria uma jurisprudência válida para diversas criptomoedas semelhantes ao XRP, ajudando a dar mais clareza e segurança jurídica em um país que não possui nenhuma lei sobre o tema, um caso diferente do Brasil. Atualmente, a expectativa é que a Ripple saia vitoriosa desse embate.
Apesar de não dar detalhes sobre o processo, Wallis afirma que a empresa está "otimista" sobre o assunto. "A Ripple fornece tecnologia para o mercado, então temos que trabalhar no ambiente [regulatório] que existe no país, mas estamos encorajando reguladores a ter um framework que possa ser usado, algo mais claro. Quanto mais claro, melhor para todos os participantes. Ter as regras é importante", defende.
Ele cita como exemplo positivo a União Europeia, que caminha para a implementação de diferentes regras para o funcionamento do mercado de criptomoedas. Na avaliação da Ripple, essas regulamentações "têm sido positivas, ajudando o setor, e temos encorajado isso. É uma regulamentação que permite a coexistência do dinheiro público e privado".
Fonte: EXAME