Os pedidos feitos pela BlackRock e por outras gestoras para lançarem fundos negociados em bolsa (ETFs, na sigla em inglês) nos Estados Unidos que seguiriam o preço à vista do bitcoin animou o mercado nas últimas semanas. Apenas os pedidos foram suficientes para que a criptomoeda iniciasse um forte movimento de alta, ultrapassasse os US$ 30 mil e chegasse ao seu maior valor em 2023.
Apesar da euforia dos investidores, não há uma garantia de que a Comissão de Valores Mobiliários do país, a SEC, vai aceitar as solicitações. Atualmente, os EUA não possuem um ETF de preço à vista do bitcoin disponível, com investidores podendo acessar apenas ETFs que acompanham contratos futuros da criptomoeda. O processo de análise é longo, e pode se estender pelo segundo semestre.
Mesmo assim, o mercado demonstrou otimismo. À EXAME, especialistas destacam que os pedidos representam, de um lado, mais uma validação institucional do bitcoin, o que sempre anima investidores. Ao mesmo tempo, a sua aprovação seria um marco importante e, para muitos defensores de criptomoedas, um passo essencial para atrair investidores mais tradicionais e expandir a adoção dos criptoativos.
Ayron Ferreira, analista-chefe da Titanium Asset, lembra que um ETF de preço à vista do bitcoin nos Estados Unidos "é uma demanda antiga do mercado". Para ele, esse tipo de investimento "é algo relevante por ser um dos principais veículos de investimento, o que teria o potencial de atrair uma grande quantidade de investidores institucionais, que precisam de meios seguros e regulados para investir em bitcoin".
Por isso, novidades em torno do assunto tendem a favorecer o preço do bitcoin, em especial após a SEC manter a sua classificação como commodity mesmo após classificar outras criptomoedas como valores mobiliários, o que "pode ter dado segurança para que a BlackRock entrasse com o pedido". O movimento da BlackRock foi o que mais animou o mercado, já que a gestora é a maior do mundo, tem US$ 10 trilhões sob gestão e pode influenciar muitos investidores tradicionais.
Já Alexandre Ludolf, diretor de investimentos da QR Asset Management, pontua que "os pedidos de ETFs não são exatamente uma novidade. Já vimos dezenas de tais solicitações serem negadas pelo regulador americano nos últimos anos". A principal novidade dessa vez é a expectativa no mercado de que a SEC pode perder processos movidos contra a Ripple e a Grayscale, o que pode reverter "essa tendência pouco amigável da regulamentação americana contra as criptomoedas".
"Por isso, os recentes pedidos de registro da Fidelity, um dos maiores bancos de varejo dos Estados Unidos, e da BlackRock, a maior gestora de ativos do mundo, demonstram o interesse de gigantes do mercado financeiro global na criptomoeda, sinalizando uma mudança abrupta na percepção dessas empresas sobre esta classe de ativos, passando de críticos a participantes do mercado", avalia o executivo.
Ludolf destaca que "os ETFs globalmente são veículos de exposição voltados principalmente para investidores institucionais", e por isso há um potencial de ganho de adoção para o bitcoin: "Temos algumas referências do passado, como o amadurecimento da indústria do ouro após o surgimento dos ETFs. Acredito que há um paralelo aqui, com produtos mais simples, seguros e regulados que podem dar novo fôlego para a indústria e despertar o interesse de outros perfis de investidores que hoje se encontram praticamente fora deste mercado".
"Os fundos de pensão americanos, se alocarem 0,5% de seus investimentos em bitcoin, podem ter um impacto muito relevante na demanda e, consequentemente, no preço do bitcoin. É importante ressaltar que esse efeito ocorrerá ao longo do tempo, mas esperamos que, de imediato, os ETFs de criptomoedas americanos possam captar recursos da ordem de bilhões de dólares", afirma.
Samir Kerbage, CIO da Hashdex, lembra que as reações do mercado representam "uma questão especulativa", mas ele observa que "faz sentido que notícias sobre o tema tenham um impacto no preço no curto prazo, sempre dependendo das notícias que apareçam, sejam dando mais otimismo ou mais pessimismo".
Ao mesmo tempo, Kerbage comenta que a aprovação seria importante para fortalecer a tese de que o bitcoin é uma reserva de valor emergente. Essa posição tem sido reforçada, na sua visão, por algumas tendências, como a dmeanda mundial por reservas de valor independentes, uma clareza regulatória cada vez mais para o setor e a demanda por formas de acesso "seguras e reguladas" para esses ativos, caso dos ETFs.
"O movimento da BlackRock significa que, se for a solicitação for aprovada, e o mercado acha que vai ser por ser a BlackRock, isso vai trazer uma clareza regulatória muito grande para o bitcoin nos Estados Unidos e reforçar que ele veio para ficar. E além disso tem a fonte de acesso, a BlackRock, uma rede grande de assessores de investimentos indicando produtos dela", comenta.
"Se a BlackRock recomendar 0,5%, 1% de alocação em bitcoin, é uma potencial demanda de dezenas de bilhões de dólares que podem entrar no bitcoin ao longo de meses e anos. Não se sabe quando isso vai acontecer, mas em algum momento vai acontecer, quando a SEC permitir o ETF. É uma porta de entrada gigante para a adoção do bitcoin. Isso é mais positivo, essa visão das gestoras que o bitcoin veio para ficar, esse reconhecimento. E quando acontecer vai ser super positivo", diz Kerbage.
Nesse sentido, ele destaca que as especulações sobre a aprovação influenciam e vão continuar influenciado os preços. A aprovação em si pode servir como chave para um novo "superciclo" de valorização do bitcoin além da alta já observada, mas o mais importante, na sua visão, é que esse cenário reforça a tese de valorização de longo prazo do ativo, que tende a ser maior que qualquer movimento no curto prazo.
Ferreira, da Titanium Asset, também acredita que a aprovação daria espaço para altas além das já observadas, "especialmente se após a aprovação houver uma grande demanda pelo ETF, o que levaria a mais compras de bitcoin no mercado à vista, o que acaba pressionando o preço para cima". Entretanto, caso a SEC recuse os pedidos, ele espera uma "correção forte": "Uma sinalização disso foi a reação do mercado em 30 de junho, quando o bitcoin chegou a cair mais de 4% após a SEC apenas sinalizar que faltavam algumas informações no pedido da BlackRock".
De lá para cá, a gestora corrigiu e reenviou o pedido, mas novas quedas por notícias ruins podem acontecer. Ludolf avalia que "parte do movimento [de alta com o ETF] já foi precificada, porém, como não há certeza da aprovação dessas solicitações nem do prazo para que isso ocorra, creio que o mercado ainda celebrará a aprovação desses veículos regulados nos Estados Unidos".
"Existe o potencial de que mais investidores institucionais, como os fundos de pensão, ganhem confiança para entrar neste mercado por meio de produtos oferecidos por instituições tradicionais que possuem relações duradouras com esse perfil de investidor, ajudando a concretizar um importante ganho de reputação para os criptoativos e um aumento da demanda por produtos regulados que pode se estender por vários anos", explica.
Ao mesmo tempo, ele também acredita que "uma eventual negativa de todos os pedidos e vitórias dos reguladores nos processos contra as empresas do setor podem sim ter impactos negativos na dinâmica de adoção e nos preços do bitcoin e outros ativos digitais", e por isso é importante que os investidores sigam atentos aos próximos acontecimentos.