Desde que divulgaram, no início deste ano, seu estudo sobre as enormes taxas de fracasso entre os investidores que especulam ativos de altíssimo risco na Bolsa de Valores, os economistas Bruno Giovannetti e Fernando Chague, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), se tornaram pequenas celebridades do mundo acadêmico das finanças.
Não é para menos. Os números revelados são espantosos e passaram a ser repetidos desde então em rodas de investidores e analistas. A pedido da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e com ajuda de sua base de dados, os pesquisadores acompanharam o desempenho de todos os investidores que operaram algum minicontrato de índice ou de dólar entre 2012 e 2017.
Tratam-se de papéis derivativos que acompanham o Ibovespa e a moeda norte-americana e são os preferidos do day trade – a atividade que ganha com a compra e venda de ativos em curtíssimos espaços de tempo. Como nesses minicontratos não há limites para as perdas, como acontece com as ações (em que, no pior cenário, o investidor não perde mais do que o que aplicou), eles são considerados papéis de altíssimo risco.
De todos que tentaram alguma coisa, 92,1% pararam em menos de um ano. Dos que seguiram – aqueles que fizeram operações diárias por ao menos 300 pregões – 97% perderam dinheiro. Nos 3% que saíram no azul, 2,6% ganharam menos do que 300 reais por dia (ou até 6.000 reais em um mês com 20 dias úteis).
E mais: elas não aprenderam com o tempo. Pelo contrário, quanto mais a pessoa insistiu, mais vezes perdeu. É por essa razão que Giovannetti diz que, por mais que pareça lógica a ideia de que day trade é uma atividade que depende do tempo e da experiência para ser melhorada, o que a natureza dos resultados aponta é que seus ganhos estão muito mais ligados a sorte do que a técnica. “É muito mais parecido com cassino, em que, à medida em que a pessoa vai repetindo as jogadas, a chance de continuar acertando diminui”, diz ele.
O impacto da pesquisa foi tanto que, desde que o estudo foi divulgado, em março deste ano, o número de day traders estancou no país, depois de mais que triplicar em apenas dois anos (saiu de uma média de 8 mil pessoas operando diariamente em 2017 para mais de 30 mil no início de 2019).
Posteriormente a pesquisa foi republicada na versão em inglês e a comunidade internacional também opinou.
Todd Butterfield, o proprietário do Wyckoff Stock Market Institute, disse:
“Eu diria que talvez 2-3% dos traders poderiam fazê-lo dia após dia. É emocional demais para a maioria das pessoas.”
Scott Melker, trader na Texas West Capital, concordou. Ele respondeu:
“É excepcionalmente difícil ganhar a vida como day trader, mas não impossível.”
O Trader Max, também conhecido como Bitcoin Jack, disse:
“Eu sei que as pessoas podem, mas a maioria não pode.”
Ele adicionou:
“Algumas pesquisas afirmam que apenas uma parcela muito pequena das pessoas negocia com lucro por dia, mas acredito que a pesquisa foi principalmente nos mercados tradicionais, usando toda a interseção de ativos, etc. Os mercados tradicionais estão muito nas mãos de alguns grandes players e, como tal, fortemente controlado. Você precisa de uma abordagem calculada muito sofisticada em períodos de tempo mais baixos para poder aumentar os impulsos induzidos por algoritmos.”
O analista Ian McMillan também compartilhou sua opinião:
“Eu conheci pessoas que vivem de trade, portanto acreditaria que não seria impossível. No final do dia, claramente é possível porque as pessoas fazem isso. As pessoas fazem isso, para todos os efeitos, há décadas.”
Em entrevista, o economista Bruno Giovannetti comentou os impactos e detalhes da pesquisa.
Qual você considera ser a principal conclusão do estudo?
É, de longe, o fato de que as pessoas que fazem day trade não melhoram com o tempo. Em qualquer atividade normal, o profissional vai melhorando com a experiência. No day trade não, e isso aparece de maneira muito clara nos dados. A chance de ganhar cai com o tempo. Nenhuma outra atividade é assim, você faz, faz, faz e não melhora. Só cassino, que é pura sorte. Day trade é igual, pura sorte. Se fosse algo que dependesse de habilidade, o certo seria que, à medida que vai treinando, a pessoa fosse melhorando, mas não é o que acontece.
Como isso aparece na pesquisa?
Entre os investidores que fizeram apenas um dia de day trade, 30% tiveram ganhos, ou algo próximo de 50% se desconsiderarmos o que eles gastaram com corretagem. É muito parecido com cassino, em que há basicamente o preto e o vermelho na roleta e a chance de acertar na primeira vez é de 48%. Conforme a pessoa repete as jogadas, a chance de continuar acertando em metade das vezes diminui. Nosso levantamento mostrou a mesma coisa. Entre quem seguiu operando no day trade de dois a 50 dias, o total de pessoas que ganharam cai para 14%. Entre os que operaram de 51 a 100 dias, 10% ganharam; de 101 a 200 dias, 8% ganharam, até os com mais de 300 dias, com apenas 3% ganhando. É claramente como em uma roleta. O que os números mostram é isso: day trade é muito mais sorte do que técnica.
Na sua visão, por que o número de pessoas que perdem é tão alto?
O pequeno investidor tem acesso às notícias e dados muito depois das grandes instituições. Elas usam o chamado HFT, “high-frequency trading” (negociação de alta frequência), um computador muito rápido que fica comprando e vendendo ativos com base em milhares de variáveis. Os grandões têm seus computadores lá dentro da B3, eles pagam para isso, o que deixa a operação ainda mais rápida. Qual é o sentido de eu, na minha casa, acreditar que vou fazer um curso e ganhar deles? Porque um compra do outro, e um só ganha porque o outro perdeu. São os indivíduos de um lado e os computadores do outro, tirando dinheiro dessas pessoas.
A pesquisa de vocês olhou para as operações feitas entre 2012 a 2017. Este foi um período muito ruim para a bolsa brasileira, de baixa. Fazer o mesmo levantamento nos anos mais recentes, em que a bolsa subiu com força, não levaria a números maiores de pessoas ganhando?
Não. O trader ganha tanto na alta quanto na baixa. A diferença é que, se ele acha que vai cair, ele vende primeiro e compra depois. Não importa se está subindo ou caindo, ele ganha com a variação. O que ele precisa é de volatilidade, e volatilidade não faltou nesses anos no Brasil.
Qual é o perfil dessas pessoas que perderam e que ganharam?
Nós pegamos todos os day traders que fizeram sua primeira operação com o minicontrato de índice em 2013, 2014 ou 2015. Foram 19.646 pessoas. Destes, 1.551 seguiram operando diariamente, por mais de 300 pregões. É dentro destes 1.551 que 97% perderam, 3% ganharam e 2,6% ganharam menos do que 300 reais por dia. O cara que mais ganhou ganhou 1.000 reais por dia, em média. E com desvios enormes: em um dia ele ganhou 11.000 reais, no outro perdeu 10.000 reais, o que é bem diferente de ganhar 1.000 todos os dias. O que mais perdeu perdeu 13 mil reais por dia.
Existem razões óbvias - o apelo de trabalhar para si mesmo, ficar de cueca no sofá o dia todo, ganhando milhões. Existe a promessa (falsa) de "dinheiro fácil" e o atrativo da riqueza independente.
Talvez uma razão menos notável pela qual os traders falhem seja o princípio do “reforço aleatório”. Esse conceito também explica por que eles continuam negociando, mesmo depois de falhar repetidamente.
O reforço aleatório é definido como: atribuir habilidade ou falta de habilidade a um resultado de natureza não sistemática; usando eventos arbitrários para qualificar (ou desqualificar) uma hipótese ou ideia; encontrar apoio para comportamentos positivos ou negativos a partir de resultados de natureza inconsistente - como os mercados financeiros.
O mercado tende a recompensar maus hábitos, ao mesmo tempo em que pune comportamentos positivos, principalmente com um pequeno conjunto de amostras. Vamos dar um exemplo teórico para exibir esse princípio.
Fulano quer deixar seu emprego e se tornar um trader de criptomoedas. Ele reserva um pouco de capital inicial, acompanha os mercados e os "grandes nomes" do youtube. Ele os vê conversando sobre uma criptomoeda fantástica, abre o gráfico e vê que o preço está subindo rapidamente. Ele compra, vai tomar banho, retorna e vende com lucro rápido. Ele faz isso de novo antes do almoço e reúne alguns negócios bem-sucedidos. Fulano começa a se sentir confiante de que é um profissional talentoso.
Então qual é o problema? O Fulano está negociando sem um método ou estratégia e está sendo enganado ao acreditar que um resultado bem-sucedido em algumas operações aleatórias é indicativo de provável sucesso no futuro. O mercado recompensou seu mau comportamento. Sabemos como essa história termina - ele continua a fazer negócios impulsivos e acaba perdendo seu capital.
Há um outro lado dessa moeda. Digamos que o Fulano aprende sua lição e passa meses desenvolvendo uma estratégia de negociação, com gerenciamento de riscos, alocações adequadas de portfólio e regras de negociação.
Ele identifica uma oportunidade de trade que se encaixa, aceita a entrada perfeita e... leva stop. Ele tenta novamente. E de novo. Ele perde 7 vezes seguidas. O mercado está punindo o Fulano por seu bom comportamento. Então ele começa a duvidar de seu método e assume uma negociação de alto risco totalmente fora de sua estratégia - e é bem-sucedido. Para sua surpresa, ele tenta isso pela segunda vez e também ganha dinheiro. Agora, ele está de volta à estaca zero, negociando sem uma estratégia, porque o mercado recompensou seu mau comportamento.
Por meio de reforços aleatórios, o mercado recondicionou a maneira como ele aborda a negociação, distraindo-o para longe de sua estratégia. Ele se permitiu ser manipulado em uma abordagem de negociação impulsiva, de alto risco e baseada em vingança.
A verdade é que o dia a dia de trader é extremamente difícil, emocionalmente desgastante e muito mais provável de destruir sua vida do que enriquecê-la.
A maioria dos possíveis traders está lamentavelmente despreparada para o desafio à frente e aprende muitas lições difíceis com seu dinheiro real. Eles subestimam os desafios psicológicos da negociação e não conseguem eliminar a emoção de seus negócios.
Eles não negociam com um sistema definido. Quando eles têm uma estratégia definida, costumam negociar fora de suas próprias regras estabelecidas. Todas essas são razões óbvias.
Todo profissional deve ter um plano bem desenvolvido, com regras escritas para entradas, saídas e stop loss. Eles nunca devem negociar fora de sua estratégia.
Existem maneiras de alinhar estratégias trabalhando com day trade, swing trade e hold, utilizando o day trade para especular em alguns momentos. Porém o que gerará mais lucro no longo prazo será o swing trade e o hold.
Um bom trade deve ser definido como aquele em que um trader planejou seu trade, fez dentro de sua estratégia e gerenciou seu risco - esses são todos os elementos que eles podem controlar. NÃO é definido pelo resultado.
Um trade ruim, por outro lado, é onde um profissional deixa de seguir suas regras e executa negócios contra seu melhor julgamento. Isso sempre será um trade ruim, mesmo que seja lucrativo.
Ao desenvolver uma estratégia bem testada, os traders podem superar as armadilhas do reforço aleatório, eliminar emoções e impulsos e aprender a ser lucrativo. É assim que você se torna parte dos 5% que obtém sucesso, seja lá qual for a sua profissão.
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Fonte: cointelegraph, exame, ccn