Um estudo da empresa FTI Consulting divulgado mostra que o uso das criptomoedas na América Latina ainda precisa se afastar de um "fenômeno alternativo" e ganhar apoio no setor público. E, nesse sentido, o Brasil surgiu como um exemplo positivo na região.
No relatório, a empresa avalia que "o Brasil oferece um modelo útil de envolvimento positivo do setor público [com o mercado de criptomoedas]". Ao mesmo tempo, o estudo aponta que os brasileiros usam mais as criptomoedas como forma de "investimento especulativo" do que proteção ou envio de remessas.
O estudo também elogia a aprovação do Marco Legal das Criptomoedas, que busca regulamentar serviços com ativos virtuais e combater fraudes. Na visão da FTI, a lei "facilitou os esforços do setor público, como de rastreamento de ativos, permitindo investigações criminais bem-sucedidas".
Para a consultoria, o cenário de adoção de criptomoedas é diferente na América Latina em relação à Europa. No continente europeu, a tecnologia blockchain é vista como "um serviço de adição de valor" e um "próximo alicerce no caminho definido para facilitação de pagamentos e serviços".
Já nos países latinoamericanos, a tecnologia tem tido usos mais "radicais": "O blockchain é visto por alguns como uma tecnologia essencial para operar fora do sistema, uma forma de protesto ou fuga, contra o cenário permanente de inflação, corrupção e instabilidade política".
Nesse sentido, a FTI defende que "o principal desafio para a América Latina é como fazer a transição do uso de criptomoedas como um fenômeno clandestino para um mercado que seja aprovado e administrado de forma responsável pelo Estado". Essa mudança será essencial para colher os "benefícios claros" do setor, minimizando possíveis aplicações ilegais.
Lucas Marsden-Smedley, consultor sênior da FTI Consulting, afirma ainda que "o maior desafio é como incorporar a tecnologia blockchain de forma responsável e, ao mesmo tempo, não perder as vantagens que inicialmente atraíram os consumidores para o mercado cripto, incluindo privacidade, flexibilidade e independência.
"No Brasil, onde a regulação do mercado agora está mais forte, a dificuldade para o Banco Central será como manter o setor competitivo, reforçando o uso ético desses ativos, mas sem sufocar a indústria em burocracia. No setor privado, as companhias terão que se adaptar ao fato de que a infraestrutura está mudando e que os consumidores vão demandar novos produtos, serviços e opções de pagamento. As empresas mais fortes vão focar em transformar novas obrigações de compliance, como KYC e AML, em vantagens estratégicas", avalia.
Para Tatiana Guazzelli, sócia do Pinheiro Neto Advogados, "as discussões relativas ao uso de criptoativos na América Latina mostram a sua versatilidade, sobretudo no que diz respeito ao blockchain, tecnologia por trás desses ativos. Em países em que o sistema de pagamentos não é tão avançado, os criptoativos aparecem como um meio de pagamento instantâneo".
"Já em países que possuem pagamento instantâneo, como o Brasil que possui o Pix, a tecnologia blockchain pode permitir, por exemplo, produtos financeiros e de investimento mais eficientes e acessíveis por meio da tokenização. E, justamente para fomentar o crescimento de uma tecnologia tokenizada no Brasil, o Banco Central vem trabalhando na criação da CBDC brasileira, que recentemente recebeu seu nome, Drex", destaca.
"Independentemente do uso que se pretenda dar ao criptoativo ou, de uma forma mais ampla, ao blockchain, a regulamentação é essencial para permitir que isso seja feito de forma segura e afastar discussões relativas à sua ilegalidade", defende a advogada. Para ela, o Marco Legal das Criptomoedas "foi um passo importante para esclarecer a legalidade das criptomoedas no Brasil e as diretrizes e princípios para sua regulamentação, que ficou a cargo do Banco Central".
Dan Yamamura, sócio-fundador da Fuse Capital, explica que o histórico de uso de criptomoedas começa em um ambiente não regulado, "onde as coisas são fáceis de desenvolver, criar e ter um mundo em paralelo". Entretanto, o mercado "vem se desenvolvendo e se tornando mais robusto e cada vez mais próximo das necessidades das utilizações de mundo real".
No Brasil, ele avalia que o tema de institucionalização do setor tem começado a ganhar escala, beneficiada pela chegada da regulação para esse mercado. "É você trazer mais regulação para esse mercado, trazer mais instituições que possam operar em cima desse mercado e se aproveitar dessa tecnologia que já existe. Então, quando você cria esse ecossistema onde as regras são claras, você também facilita o empreendedor a criar soluções com base em uma tecnologia que já existe".
"O Brasil tem um papel fundamental de líder nesse processo, não só na América Latina, como até no mundo, dado o pensamento do Banco Central de entender profundamente a capacidade que essa tecnologia tem e a vontade de descentralizar ou de desconcentrar um sistema financeiro muito grande e muito sofisticado, que é o sistema brasileiro", ressalta.
Fonte: exame
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