Desde maio, o mercado de criptomoedas tem sofrido com fortes quedas, puxadas, entre outros fatores, pela perseguição do governo da China contra mineradores e empresas que fazem operações usando bitcoins ou outras moedas digitais. Mas o que parece ser uma má notícia em um primeiro momento, na verdade pode ser positivo.
Este movimento chinês contra os criptoativos não chega a ser novidade, já que pelo menos desde 2017 o país tem regras que limitam operações neste mercado. Desde essa época, por exemplo, já era proibida a atuação de corretoras de criptomoedas (exchanges) no território do país.
Porém, até agora, a atuação de mineradores ou de plataformas de balcão (OTC) baseadas no exterior ainda era permitida, possibilitando que pessoas com residência na China ainda tivessem acesso a este mercado.
Nos últimos dias, porém, o banco central chinês disse para os maiores bancos e empresas de pagamento da China fiscalizarem com mais firmeza o comércio de criptomoedas, enquanto o governo intensificou a perseguição aos mineradores, que agora estão se mudando do país à força.
Apesar de não haver um dado oficial, até então alguns especialistas apontavam que cerca de 70% da mineração de Bitcoin vinha de computadores localizados na China, o que mostra o peso da perseguição chinesa no mercado.
Mineração é o processo essencial da criptomoeda em que computadores resolvem equações matemáticas para aprovarem as operações realizadas na rede do Bitcoin, registrando tudo na chamada blockchain. É por meio desse processo também que são criados novos bitcoins, já que a cada novo bloco de informações que é concluído, uma recompensa é gerada para os mineradores em forma de novas unidades da moeda digital.
Porém, apesar de parecer um grande problema para a rede, desde sua criação, o projeto do Bitcoin já prevê um ajuste de dificuldade nas operações de mineração conforme existem mais ou menos pessoas no mercado. Portanto, mesmo com esses mineradores precisando encerrar suas operações por um tempo até encontrarem um novo local para se fixarem, a rede se altera automaticamente de forma a garantir seu funcionamento normal.
“A China pode representar menos de 50% da mineração de bitcoins no final do ano em relação aos 65% atuais”, disse à Bloomberg Dan Weiskopf, cogestor de portfólio do ETF Amplify Transformational Data Sharing, um fundo de índice de gestão ativa com US$ 1,1 bilhão em valor de mercado, composto por ações relacionadas ao blockchain, com cerca de 20% do portfólio em criptomoedas.
Essa saída derrubou em cerca de 40% o chamado hashrate, que mede a energia computacional usada na mineração de bitcoins, nas últimas duas semanas. “O declínio do hash é provavelmente um fenômeno de curto prazo e uma evidência de que os mineradores da China estão saindo do ar”, disse Weiskopf.
Já Bernardo Schucman, vice-presidente sênior de operações de Data Center na CleanSpark, aponta que esse cenário pode dar uma impressão de fragilidade, mas na verdade o hashrate está sendo migrado para outros países e pode até voltar a aumentar na China no futuro, mas de forma mais dividida.
“Para se ter uma ideia, no último ano o hash power era 60% chinês, hoje esse cenário vai mudar drasticamente chegando a apenas 30% em poder dos chineses, histórico para o ecossistema das criptomoedas e da mineração”, avalia.
Orlando Telles, sócio-fundador da Mercurius Crypto e diretor da Mercurius Research, por sua vez, ressalta que essa saída dos mineradores da China é positiva no médio e longo prazo porque estimula a descentralização do Bitcoin. Para um ativo que se propõe a não ter influência de grandes instituições e governos, ter uma concentração muito alta de mineração em apenas um local pode ser negativo para seu funcionamento.
“Esse processo também torna a moeda digital mais segura do ponto de vista jurídico. Isso porque a maioria dos países para os quais os mineradores estão migrando já possuem uma regulamentação pró-cripto mais estruturada, como é o caso do Canadá e dos Estados Unidos”, avalia Telles.
Outro ponto positivo dessa mudança dos mineradores está no impacto ambiental, o que pode também agradar o CEO da Tesla, Elon Musk, que recentemente suspendeu o pagamento de carros da empresa usando Bitcoin ao criticar o impacto negativo que a mineração tem no meio ambiente por conta do alto uso de energia.
Isso porque a China tem como principal fonte de energia o carvão, que polui bastante. “Uma vez que os mineradores de criptomoedas migrem para outros países que têm mais opções de energia limpa, automaticamente o processo de validação do Bitcoin e de outras criptomoedas passa a ser mais sustentável”, avalia Telles.
Já Safiri Félix, diretor de produtos e parcerias da Transfero Swiss, aponta que EUA, Canadá e países do leste europeu tendem a ser nesse primeiro momento os principais locais de atração de mineradores, já que são regiões que combinam custos competitivos, matriz energética limpa e segurança jurídica.
Além desses países, as regiões mais ao norte do planeta também estão entre as mais utilizadas para mineração, com destaque para países como Islândia, Suécia e Finlândia, que possuem não só um custo de energia melhor e legislações positivas para esta atividade, mas são mais gelados, o que ajuda naturalmente a manter a temperatura dos equipamentos de mineração mais baixas, necessitando de menos consumo de energia com resfriadores.
Safiri ainda destaca que o caso de El Salvador, que recentemente aprovou uma lei adotando o Bitcoin como moeda oficial, também é interessante e pode ajudar. “Como primeiro país do mundo a adotar o Bitcoin como moeda de curso forçado, as autoridades locais já estão negociando a instalação de grandes mineradores oferecendo energia geotérmica, uma fonte limpa e renovável”, explica ele.
Esse pode ser o primeiro passo para que mais países adotem legislações positivas para as criptomoedas no campo da mineração, em um movimento positivo também para o meio ambiente.
“2021 é o ano que simboliza o fim da hegemonia e dominação chinesa em relação ao blockchain do Bitcoin e passa a ser o ano da descentralização, o que é uma mudança extremamente positiva para o ativo”, conclui Schuman.
Fonte: InfoMoney
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